quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

TCU ENQUADRA A PETROBRÁS E OS SEUS PROCESSOS LICITATÓRIOS: PARTE I

O O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - TCU decretou a inconstitucionalidade do Decreto nº 2.745/1998, que instituiu o procedimento licitatório simplificado utilizado pela PETROBRÁS - PETRÓLEO BRASILEIRO S/A nas suas licitações e contratações. Trata-se da Decisão nº 663/2002, cuja íntegra segue transcrita:

"Relatório do Ministro Relator. Cuidam os autos de auditoria realizada na PETROBRAS com o objetivo de "analisar os procedimentos licitatórios da entidade e seus contratos, especialmente após o advento do Decreto nº 2.745/98, bem como verificar a implantação da homepage Contas Públicas". 2. Com o intuito de não prejudicar a compreensão das questõs que serão tratadas, adoto, como meu Relatório, excertos daquele produzido pela equipe de auditoria: "... 8. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ART. 67 DA LEI Nº 9.478/97 E O DECRETO Nº 2.745/98 (REGULAMENTO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO SIMPLIFICADO DA PETROBRAS. 8.1. Histórico. 8.1.1. O art. 37 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu princípios a serem obedecidos pela administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de trazer outras determinações.

Após a promulgação da Magna Carta, o texto do caput do art. 37 só veio a ser alterado pela Emenda Constitucional nº 19, publicada no DOU em 5 de junho de 1998. Ao seu texto, foi acrescentado o princípio da eficiência. 8.1.2. O inciso XXI do art. 37, que n o sofreu alteração por emenda constitucional, tem a seguinte redação: "XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, -serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações." (grifos nossos)

8.1.3. A Lei nº 8.666/93 veio regulamentar o inciso supra e dar outras providências. Desde então, as licitações e contratos da administração pública direta e indireta, inclusive empresas públicas e sociedades de economia mista, passaram a ser regidas por esse diploma. O legislador procurou ser bem claro quanto sujeição de empresas públicas e sociedades de economia mista, redigindo o parágrafo único do art. 1º da Lei: "Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta lei, além dos órgãos da Administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios." (grifamos).

8.1.4. O art. 119 da Lei de Licitações e Contratos prevê que as sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União editariam regulamentos próprios, devidamente publicados, ficando sujeitos s disposiç es daquela Lei. 8.1.5. Em 10 de novembro de 1995, foi publicada no DOU a Emenda Constitucional nº 9, que alterou o texto do art. 177 da Constituição Federal, autorizando União contratar empresas estatais ou privadas para atuarem em áreas antes exclusivas da PETROBRAS. Na prática, essa emenda significou a quebra do monopólio da Empresa. Referida alteração constitucional, entretanto, remeteu à lei ordinária o disciplinamento da matéria, como será melhor abordado no item 0.8.1.6.

Até 6 de agosto de 1997, data em que foi sancionada a Lei nº 9.478/97, não existia a lei citada nos §§ 1º e 2º do artigo 177(43). A Lei dispôs sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, instituiu o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e deu outras providências. Entre essas outras providências, há o Capítulo IX que versa exclusivamente sobre a PETROBRAS. O art. 67, incluso nesse Capítulo, estabeleceu que os contratos celebrados pela PETROBRAS, para aquisição de bens e serviços, ser o precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República. (43) "Art. 177.

Constituem monopólio da União: (...) § 1o - A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei. § 2o - A lei a que se refere o § 1o disporá sobre: I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; II - as condições de contratação; III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União; (...);" 8.1.7. Em 05 de junho de 1998, foi publicada no DOU a Emenda Constitucional nº 19, modificando o regime e dispondo sobre princípios e normas da administração pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, além de dar outras providências. No que é afeto a esta auditoria, interessam as alterações processadas no inc. XXVII do art. 22 e no art. 173 e parágrafos.

A emenda inovou ao definir que normas gerais de licitação e contratação para as empresas públicas, das sociedades de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços seriam definidos em estatuto jurídico próprio, sob a forma de lei ordinária, a qual disporá sobre: sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; a constituição e o funcionamento dos conselhos de Administração e Fiscal, com a participação de acionistas minoritários; e os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.

Doravante, poder o ser feitas referências a essa lei, que ainda não existe, utilizando-se apenas o termo Estatuto. 8.1.8. Exclusivamente para fins metodológicos e de manutenção da coerência da Instrução, será considerado como o Estatuto sendo uma única lei. Não será abordada no presente trabalho a discuss o sobre se haverá somente uma lei para todas as empresas estatais exercentes de atividade econômica e para todos os temas a serem regulamentados ou se haverá várias leis para regulamentar o art. 173, § 1º e incisos. Essa discussão é irrelevante para este trabalho. O importante é que apenas lei - uma ou mais -, em sentido formal, cabe dispor sobre a matéria.

8.1.9. Logo após a EC nº 19 e pouco mais de um ano após a Lei nº 9.478/97, em 24 de agosto de 1998, foi exarado o Decreto do Presidente da República nº 2.745/98, disciplinando o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petróleo Brasileiro S.A.. Desde então, a Companhia vem seguindo o Regulamento Simplificado para suas obras, compras, serviços e alienações; não mais obedecendo Lei nº 8.666/93. 8.1.0. Este trabalho lança mão de citações de renomados doutrinadores que versaram em abstrato sobre as modificações implementadas pela Emenda Constitucional nº 19.

Todavia, essas citações servem tão-somente para enriquecer a Instrução e ilustrar o estudo levado a termo por esta Equipe. O exame promovido pelo Tribunal traz inovações significativas em relação aos trabalhos mencionados, por haver debruçado-se sobre o fato concreto da existência do Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petróleo Brasileiro S.A., regulando licitações, contratos e alienações da Empresa, conseqüência da Lei nº 9.478/97. 8.2. O artigo 67 da Lei nº 9.478/97 e o Decreto nº 2.745/98 frente ordem constitucional. 8.2.1. Para analisar o artigo 67 da Lei nº 9.478/97, primeiramente faz-se necessário entender as relações de independência harmônica entre os Poderes Executivo e Legislativo. 8.2.2. Cioso de sua competência e na estrita defesa do princípio constitucional da tripartição dos Poderes, o Poder Legislativo participa ativamente das mudanças estruturais promovidas no Estado Brasileiro, não permitindo ao Governo - entendido como tal aquele que executa as políticas governamentais, isto é, o Poder Executivo - que as promova unilateralmente.

Por vezes, inclusive, colocou-se em posição de frontal desacordo com as intenções do Chefe de Estado e de Governo. Entende-se essa discordância como o salutar exercício da democracia, garantida no estado de direito. Não raramente, a vontade do Governo diverge da vontade do Estado. 8.2.3. A participação ativa do Poder Legislativo é notada na intensa discuss o parlamentar, que não está restrita à votação de emendas constitucionais, mas que se prolonga pela exigência de lei para regulamentar diversas alterações feitas no Texto Magno.

Não é sem porquê a inclusão de expressões, tais como: "na forma da lei", "a lei estabelecerá" ou "a lei disporá". O Poder Legislativo avoca a prerrogativa de discutir e decidir de que forma ser o regrados vários dispositivos constitucionais. Com isso, defende sua função precípua, petreamente definida na Carta Magna. As Emendas Constitucionais 9 e 19 contém exemplos típicos dessa avocação. 8.2.4. No exercício de suas atribuições, o Legislativo elaborou a Lei nº 9.478/97, em obediência ao disposto nos §§ 1º e 2º do art. 177 da Constituição, modificado e acrescido, respectivamente, pela Emenda Constitucional nº 9. Apesar de não ser objeto essencial de seu conteúdo, essa Lei, no art. 67, autorizou ao Poder Executivo a editar um decreto estatuindo o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petróleo Brasileiro S.A.. Analisemos melhor esse dispositivo, cotejando-o com a Constituição Federal, entendida como um sistema coerente e harmônico de normas.

8.2.5. A competência para legislar sobre licitações e contratos é privativa da União. Competência essa exercida quando da edição da Lei nº 8.666/93. O art. 22 da Constituição, em seu inciso XXVII, com a redação vigente época da Emenda Constitucional nº 9 e da publicação da Lei nº 9.478/97, dizia o seguinte: "Art. 22 - Compete União legislar sobre: (...) XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle;" (grifos nossos). 8.2.6. A Emenda Constitucional nº 9, que não promoveu qualquer alteração no texto do art. 22, modificou a redação do art. 177, alterando o seu § 1º e acrescentando o § 2º.

O texto do artigo passou a ser o seguinte: "Art. 177. Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados. § 1o A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas para a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei. § 2o A lei a que se refere o § 1o disporá sobre: I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; II - as condições de contratação; III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União; § 3o A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radio-ativos no território nacional;" (grifos nossos).

8.2.7. Analisando por partes, ressalta-se em primeiro lugar que, ao não alterar o art. 22, a Emenda não modificou a competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as empresas sob seu controle. 8.2.8. Pela técnica de redação legislativa, é lógico entender que dois parágrafos de um mesmo artigo tratem de mesma matéria ou de matéria concorrente, ainda mais quando, explicitamente, há referências diretas de um para o outro. Esse é o caso dos §§ 1º e 2º do art. 177. O § 1º determina que "a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei".

Ou seja, o constituinte derivado está possibilitando apenas União, e a mais nenhum outro ente, mesmo que pessoa jurídica de direito público ou empresa controlada direta ou indiretamente por ela, contratar determinadas atividades, que são monopólio dela, seguindo condições a serem definidas em lei. No § 2º, em lista exaustiva (numerus clausus), diz que a lei referida no § 1º - aquela que permite que a União contrate a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo - disporá sobre, entre outras matérias, as condições de contratação. 8.2.9. A leitura coordenada do texto constitucional é esclarecedora. Por várias ocasiões, trechos da Carta Magna exigem um exercício árduo de interpretação, em face à redação pouco clara dada pelo constituinte.

Não é o que ocorre no caso em tela. O texto constitucional resultante das modificações implementadas pela Emenda nº 9 permite uma única interpretação: a de que a União, e apenas ela, contrate, com empresas estatais ou privadas, as seguintes atividades, que são seu monopólio: a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das duas atividades discriminadas anteriormente, o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem."

Continuará nas próximas públicações.

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